Pedro Lugarinho
- Olha lá, lá vem o estranhão, com seu cabelo horrível e sua pochete preta – cochichou Ligia para Vanessa com um sorriso no rosto – O que que ele carrega nessa pochete, meu Deus?
Vanessa apenas riu. Enquanto Fernando caminhava até sua mesa perto do quadro negro, várias pessoas gritaram ofensas, enquanto outras gargalhavam. A sala de aula estava cheia; os alunos aguardavam a divulgação das notas finais do semestre e o anúncio do vencedor do concurso de poesia, tradição no Colégio Lispector. Fernando começou a rabiscar uma folha sulfite.
Ninguém lembra ao certo como o bullying começou. Um dos dias mais marcantes foi quando, no recreio, cerca de três anos atrás, Fernando, distraído com um casal de pássaros ziguezagueando, esbarrou em Vanessa. Ela carregava um copo de suco de laranja e o choque entre os dois acabou molhando a roupa dela. Ela bufou, seus olhos se cerraram. Ele murmurou um pedido de desculpas, deu alguns passos, retirou um caderno e uma caneta de sua pochete e fez algumas anotações, o que a fez iniciar um choro intenso.
Desde então, ele se tornou motivo de piada entre os alunos. Riam de seus cabelos desgrenhados, de seus trejeitos e, embora não falasse muito, suspeitavam que era gago. Passava os recreios sozinho. Os professores e coordenadores estavam cientes dessa situação, mas, como Fernando nunca faltava e sempre mantinha boas notas, agiam como se nada estivesse acontecendo.
Por outro lado, Vanessa era uma das garotas mais populares do seu ano e frequentemente recebia cartas, bilhetes e mensagens nas redes sociais com declarações e elogios. Além dos cabelos lisos e olhos cor de mel, destacava-se em geografia, história e português — amava crônicas e poesias.
A professora Maria Cleire entrou no recinto e se impressionou com o volume das conversas em pequenos grupos. Só sua presença já fez com que a maioria dos estudantes parassem o burburinho. Ela pegou um microfone e recitou um poema:
“Se me perguntasse o que vejo no céu
Responderia que é o nada que me fascina
Gosto da simplicidade cruel
Queria eu uma vida sem sina
Sem a banalidade de uma colisão fel
Sem ódio, sem carnificina
Me livrarei da armadura retorcida de caramujo
Sairei em minha jornada nesse mundo injusto
Verão que nem tudo aqui é imundo”
A sala ouviu em silêncio. A professora prosseguiu:
— Esse é o poema vencedor do ano. Achei belíssimo, minha gente.
— De quem é? — perguntou Vanessa, levantando a mão.
— É do Fernando.
Vanessa corou suas bochechas, adquirindo um tom rosado, e sentiu o coração palpitar. Quando olhou para Fernando, conseguiu enxergá-lo de uma forma diferente, que ainda não sabia interpretar.