Um Sopro


Pedro Lugarinho

Não fosse aquela distração, aquele suspiro errado, aquele vazio de pensamento, eu não teria olhado para aquele rapaz. E se não tivesse olhado para ele, eu não estaria ali, observando, pela primeira vez de perto, o estúdio de tatuagem “Tattoo & Pierce Diablo Swing”. A porta se abria, e eu vislumbrava aquele ambiente neon com cheiro de álcool. O barulho das agulhas trabalhando era nítido, mesmo com o trânsito intenso da avenida. Minhas bochechas ardiam, e meu coração batia acelerado, como se eu estivesse correndo em alta velocidade. Eu hesitava em entrar. Mas, naquele momento, recordando os meus passos, eu já sabia: era um caminho sem volta.
Foi em uma quarta-feira, o ônibus trafegava sempre lotado. Eu ia em pé entre outros passageiros e sentia o cheiro forte no ar aumentando. Meu celular estava sem bateria, pois eu havia esquecido o carregador e os fones de ouvido em casa. O ônibus parou no ponto anterior ao que costumo descer. Foi então que, pela janela, meus olhos viram um barbudo de cara fechada, com tatuagens azuis e verdes nos braços e no pescoço trabalhando em uma loja de tatuagem. Havia um contraste entre sua expressão carrancuda e algo que suavizava seu rosto: um piercing de argola na lateral do nariz.
Nas próximas quatro semanas, o minuto mais emocionante do meu dia acontecia quando a condução parava em frente ao estúdio. Eu o observava e torcia muito para que ele também olhasse para mim. Isso nunca aconteceu. Passei a me preocupar com a aparência: comprei roupas mais coloridas, deixei a barba crescer, fui ao barbeiro semanalmente para alinhá-la, voltei à academia e à dieta. Achava que, no trabalho, ninguém notaria nada, mas me enganei.
— Cara, que que é isso? Você tá cantarolando? — disse Victor, rindo da minha cara.
— Oloco, o Julinho tá cantando? Deve estar saindo com alguém, cer-te-za! — respondeu Renato, rindo junto.
— Porra, já faz quatro anos que acabou teu casamento e só agora tu arranjou um rabo de saia. Conta tudo pra gente, seu malandro! Quem é a sortuda? Não vai me dizer que teve coragem de chamar a Mariana pra sair? É por isso que você tem chegado atrasado todo dia, não é? — continuou Victor.
— Cacete, gente! Eu tô cantando uma música do Coldplay. Vi o show deles ontem no Multishow.
— Claro, claro, você acha que engana quem? Esses mineiros acham que comem quieto! Já, já vamos descobrir tudo! — disse Renato, arrancando risadas dos colegas do escritório.
Quando me sentei na mesa, após essa conversa, Maria, a secretária da nossa equipe, pegou na minha mão e falou:
— Não liga pra esse pessoal, não. No fundo, eles só estão felizes por você ter seguido em frente e finalmente estar em um novo relacionamento. Eles gostam muito de você. Eu também fiquei muito feliz.
Foi um sopro que me empurrou para fora da condução, naquela sexta-feira. Fiquei cerca de dez minutos admirando o estúdio. Quando entrei, eu o vi de perto. Seus braços musculosos exibiam tatuagens de dragões que passeavam por nuvens com arco-íris e uma porção de ursos coloridos em várias posições. O bar servia drinks alternativos, com canudos fluorescentes. O odor etílico se misturava ao perfume artificial da fumaça de cigarros eletrônicos. Pensei em beber algo antes de falar com ele. No entanto, me aproximei, e ele sorriu para mim. Quase desmaiei, mas criei coragem:
— Olá, quero colocar um piercing de argola igual ao seu. Como você se chama?

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Pedro Lugarinho

E-mail: pedro.lugarinho@gmail.com

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