Alívio


Pedro Lugarinho

Foi um trovão que acordou Mateo no meio da madrugada. Ele sonhava com um campo verde, um gramado recém-cortado, repleto de margaridas. Sentia o cheiro de mata molhada. Corria e se atirava na grama. Era impossível não rir. Um estrondo na janela, vibrando por vários segundos, o fez abrir os olhos.
Não se lembrava do sonho, tudo era escuridão. Coçou seus olhos buscando luz, suas mãos procuraram por alguém no berço. Sentou-se, olhou para os lados e iniciou um choro tão estrondoso quanto o trovão que iniciara a chuva. Berrava, parando por breves momentos para recuperar o fôlego. O blecaute em seu quarto ecoava e amplificava seu desespero sonoro.
Do rosto do menino, escorriam lágrimas que aos poucos umedeceram suas roupas. O universo sem estrelas era muito mais intenso com os olhos abertos. Lembrou-se de que, naquela sombra infinita, poderia estar um palhaço. Tinha certeza que um gigante de cabelo laranja despenteado estava ali. Com olhos macabros e uma boca sem sorriso, rosto pintado de branco brilhante, deixando a mostra um imenso nariz vermelho. O choro piorou. Pressentia que havia muito mais de um palhaço lá.
Em um pequeno lampejo, sentiu uma fria brisa no rosto. Recordou-se de que já vivera épocas mais quentes, próximo de sua mãe, pai e irmã. Época em que brincava nos jardins de sua residência, sujava-se na lama, tinha o colo dos pais e o sol aquecia a imensidão azul do céu. Entre o som de trovões, ouviu um rangido. O berreiro não cessava e embora bocejasse nos intervalos em que recuperava seu oxigênio, não sentia sono. Apenas ia sendo penetrado pela solidão desamparada. Já tinha certeza, ninguém iria salvá-lo. Gritou no volume máximo. “Papai. Papai. Mamãe. Mamãe.”. O vendaval também aumentou seu tom. Ninguém apareceu, apenas os trovões.
Enquanto buscava ar para uma nova onda chorosa de gritos, teve a impressão de algo mexendo em suas pernas. O gelo invadiu sua espinha. Pequenas mãos plastificadas passeavam pela sua coxa. Olhos vitrificados brilhavam no escuro. Eram as bonecas carecas de sua irmã. E elas estavam ali, juntas aos palhaços, imersas no imenso preto. O choro seguia, sem previsão de fim, agora muito mais agudo que a tempestade do lado de fora.
Um movimento pendular tomou conta do seu corpo. Para frente e para trás, sem pausar. Num suave balanço, seu corpo aqueceu novamente. Teve vontade de parar de chorar, mas ainda não conseguia. Quando percebeu que alguém o segurava no colo, abriu o olho esquerdo para ver quem era. A luz entrava pela fresta da porta, iluminando a poltrona em que viu seu pai. O homem segurava o corpo e a cabeça de Mateo com a mão esquerda, e com a direita o apertava em seu ventre. Só assim o menino conseguiu parar de chorar. Com os dois olhos abertos, pôde perceber que estava a salvo e seu quarto, livre. Sem palhaços e bonecas. A chuva terminou.
- Papai... – disse Mateo, ainda soluçando.
- Meu filhotinho, papai está com você. – respondeu Carlos, antes de bocejar.
- Deixa a luz ligada?
- Deixo a luz ligada. Você vai querer dormir assim agora? Com a luz do banheiro ligada?
- Sim, assim o escuro fica longe.

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Pedro Lugarinho

E-mail: pedro.lugarinho@gmail.com

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